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A Comunhão na Mão

Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 4-1-75

MULTIPLICAM-SE AS INVESTIDAS contra a Santa Eucaristia que é o centro, o coração de nossa vida cristã. Sim, é a Fé viva e firme na presença real de Cristo no sacrário e sob as espécies consagradas que nós podemos dar a Jesus crucificado a nossa mais forte e mais doce resposta de gratidão e de amor. Quando Ele, na suprema agonia, nos pediu que rezássemos e vigiássemos, nós dormimos. E estremunhados ouvimos, ainda hoje, o gemido que nos vem dos abismos insondáveis da dor de um Deus que inventou esse abaixamento infinito para nos salvar: “Não pudestes velar comigo uma só hora!” E agora nos chegam aos ouvidos a maravilhosa promessa de Cristo que está nas últimas palavras (XVIII, 20) do evangelho de São Mateus: “quanto a Mim, ficarei convosco todos os dias até o fim dos tempos”. De que modo Jesus está conosco todos os dias até a consumação dos séculos? É evidente que, sem a presença real na Eucaristia, essas últimas palavras de Jesus, guardadas por Mateus, perdem todo o seu vigor, e mesmo todo o sentido direto e verdadeiro. E por isso, para afastar a paciente presença de Jesus, o mundo que se basta com seus direitos e sua conquista da Lua, mobilizou e perverteu, um exército de levitas para apagar nos corações dos homens a fé na presença real de Cristo no sacramento do altar.

TODAS AS REFORMAS e deformações litúrgicas dos últimos tempos convergem para este objetivo que está na alça de mira de Satã: abaixar, rebaixar, diminuir, reduzir a nada o Santíssimo Sacramento do Altar e, assim, recusar a mais confortadora promessa de Jesus: estar conosco todos os dias como esteve com seus amados discípulos naquele tempo. Será possível, meu Deus, que os homens se deixem levar com tal facilidade a tamanha extremidade? A possibilidade está aí esparramada diante de nós.

* * *

DISSERAM-ME QUE UM TODO progressista, creio que padre, exibiu-se na televisão para advogar a reforma da “comunhão nas mãos”. O argumento do tolo, já muito usado, era o seguinte: a Igreja de “hoje” quer fiéis adultos. Ora, quem recebe a comida na boca é a criança; o adulto a recebe na mão.

SE O ASSUNTO NÃO ENVOLVESSE o Preciosíssimo Sangue de nosso Salvador, poderíamos pilheriar dizendo: não, o adulto recebe a comida no prato, na bandeja, na terrina, na xícara, e sobretudo recebe a variada, à la carte, com vários molhos, e não sob a nívea uniformidade das hóstias. MAS A LIÇÃO PRINCIPAL que devemos lembrar ao tolo que reclama seus títulos de adulto para dizer, diante dos homens, bobagens sobre as coisas de Deus, é aquela que já esboçamos no artigo, de quinta-feira. E aqui a reformo e a relembro aos esquecidos: é verdade que o processo de educação de homem para homem, de pai para filhos, de professor para aluno, progride na direção da crescente autonomia do educando. O bom educador quer ver seu discípulo crescer e emancipar-se de sua tutela. Mas o processo de educação chamado santificação, onde o pedagogo é o próprio Espírito Santo, deve seguir a direção contrária, isto é, a da crescente heteronomia do educando. Quem não sabe isto? Arre! Será preciso ensinar tudo? Então ensinemos porque parece que o número de adultos no cristianismo, que ignoram os rudimentos de sua doutrina, cresce assustadoramente, e já alcança os mais graduados escalões.

REPITAMOS, POIS, que, para as coisas de Deus, nosso progresso se mede na proporção de nossa entrega filial. Todos os mestres espirituais nos deixaram essa regra de ouro da vida da graça, a começar por Nosso Senhor Jesus Cristo que ensinou claramente: “Em verdade vos digo: quem não for como um desses pequeninos não entrará no Reino de Deus.” (Mc X, 16).

E POR AÍ SE VÊ que o argumento do tolo, que na televisão preparava os espíritos para mais este golpe baixo no Santo Sacramento do Altar, não vale nada. A rigor nem chega a ser argumento, mas apenas pretexto. Outros invocarão, com ou sem provas, que já foi costume na Igreja dos primeiros séculos essa maneira de distribuir o Corpo de Deus. A esses responderemos que só se lembram do santo passado da Igreja quando lhes convém. Nós outros, católicos, nunca ignoramos o processo de crescimento orgânico da Igreja, que até no conjunto explícito do dado revelado se manifesta. Quanto mais na liturgia! Mas também sabemos que a idéia de crescimento orgânico implica a do atingimento de uma forma plena, que no caso da liturgia foi solenemente anunciado e proclamado pelo magistério extraordinário da Igreja no glorioso pontificado de São Pio V.

TORNO A DIZER: eles não têm argumentos; só acham pretextos. E insisto neste ponto: todas as reformas recentemente promovidas nestes dias de trevas, com uma sinistra regularidade convergem todas para o objetivo de humanizar o que é divino, profanar o que é sagrado, rebaixar o que é santo. No caso: para apagar nos corações a fé robusta na presença real de Nosso Senhor no Sacramento da Eucaristia e, por conseqüência, para rejeitar a companhia que Ele tão amorosamente nos ofereceu: “estarei convosco, todos os dias, até o fim dos tempos.”

APRONTEMO-NOS. Defendamo-nos. Seguindo o conselho e preceito de São Paulo aos Gálatas, estejamos prontos para gritar “anathema” a quem vier nos propor mais este ultraje ao nosso doce Amigo e companheiro de todos os dias. A quem quiser trazer mais esse remeximento nas coisas santas não é devida a obediência (carnal e humana), que certamente invocarão os que, para servir seus caprichos, desobedecem a Deus.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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