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A hora é de reler.

Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 16-09-76


CONTINUAMOS as transcrições comentadas de artigos publicados na França em torno do affaire Lefebvre que ainda é o assunto debatido com apaixonado interesse. A de hoje, da autoria do Pe. Bruckberger, frade dominicano da boa cepa, que foi amigo e confessor de Bernanos, e ainda em 1973 fez sucesso com o livro intitulado Lettre à Jesus Christ, tem para nós seu principal interesse na revelação de um autor francês que apareceu com um livro provocante, Dieu est Dieu, Nom de Dieu, cujo principal interesse, neste artigo, está na descoberta assustada que esse novo autor, Maurice Clavel, nos revela na entrevista concedida ao jornal La Croix, e transcrita pelo Pe. Bruckberger. O escritor Maurice Clavel descobre um discurso pronunciado no encerramento do Concílio, em 7 de dezembro de 1965, por um dos Bispos que, para espanto de Maurice Clavel em 1976, ousou dizer há 11 anos que: “A Igreja do Deus que se fez homem, encontrou-se — naquele Concílio — com a Igreja do homem que se fez Deus, etc”. O Pe. Bruckberger reproduz o texto na íntegra e identifica o Bispo que o pronunciou.

E NÓS, que também recentemente tropeçamos espantados nesse texto de onze anos atrás, chegamos a esta conclusão que se impõe: a da necessidade de reler e de procurar as conexões que nos passaram despercebidas.

* * *

A SEGUIR transcrevemos o artigo do Pe. Bruckberger publicado no jornal l’Aurore de 15 de julho de 1976 com o título As pombas e o Espirito Santo.

“O jornal “La Croix” publicou dia 11 de junho último uma entrevista de Maurice Clavel, cujo livro “Dieu est Dieu… nom de Dieu” tanto sucesso fez que não pode decentemente ser ignorado. O mínimo que se pode dizer dessa entrevista é que deve ter pregado susto nos sonolentos leitores desse grande jornal dos bem-pensantes.”

“Os slogans progressistas, levaram um magistral pontapé administrado, por esse escritor lúcido e temerário que sabe dar o nome aos bois.”

“Que julguem os próprios leitores! O jornalista interroga Maurice Clavel: “Você diz que os cristãos marxistas não fazem outra coisa senão serem Coerentes com as orientações dadas à Igreja pelo Concílio?”

“Que imprudente pergunta!

“Resposta de Clavel: ”… Creio que houve embora de boa fé, um erro sobre o que era a mentalidade contemporânea… Vamos para essa mentalidade de morte, e de destruição de Deus, sem armas, com um cravo na lapela e é assim que a gente se entrega…

“Não quero falar do Concílio julgando suas intenções. Mas dito isto, não precisamos pensar que o Concílio é sagrado só porque é o último Concílio. A declaração de um dos bispos participantes do Concílio: “A religião do Deus que se fez homem se encontrou — subentendido para seu próprio proveito — com a religião do homem que se fez Deus”, esta declaração me apavora… Esta religião de, Deus feito homem se encontrando com a religião do homem feito Deus, se não preservar todo seu rigor e toda sua ascese, se por acaso vier a dar uma mistura bastarda vai tudo seguir direção do menor esforço e a religião de Deus feito homem se entregará à religião do homem feito Deus. É o que vemos”.

“E isto foi um murro na cara dos leitores de “La Croix” porque o que Clavel parece nem mesmo supor e o que o jornalista de La Croix teve o cuidado de não lhe revelar é que esta espantosa “declaração de um bispo participante do Concílio” não emanou de qualquer João-ninguém episcopal: é do próprio Paulo VI, o Bispo dos bispos o que presidiu ao Concílio e essa declaração foi feita no discurso de encerramento do Concílio no dia 7 de dezembro de 1965. Vamos restabelecer a declaração no seu texto oficial: “A religião do Deus feito homem encontrou-se com a religião (sim religião) do homem feito Deus. Que aconteceu? Um choque? Uma luta? Um anátema? Tudo isso aconteceu, mas não aconteceu (…). Nós também, nós mais do que ninguém, temos o culto do homem”.

“Esta declaração apavora Maurice Clavel. Pois bem! ele tem razão e não é o único. Será a isso que dão o nome de espírito e orientações do Concílio? Depois de dez anos do encerramento do Concílio já nos é permitido julgar a árvore pelos seus frutos e julgar o Concílio pelo que dele resultou na Igreja. É o que faz Clavel com a liberdade dos filhos de Deus, sem se embaraçar com as famosas aberturas. “A Igreja não se deu conta dos perigos dessa nova mentalidade. Disseram vamos ao mundo… mas não tiveram a necessária posição agressiva para dizer: ir ao mundo para destruí-lo! (Isso foi feito em maio de 68 — o repugnante chien-lit dos estudantes em Paris — observação nossa). Disseram: “vamos ao mundo para simpatizar, para o enriquecer e nos enriquecer. Foram tolos”.

“Em outros termos os padres conciliares viram o Espírito Santo numa pomba. Mas foram eles que se fizeram de pombas de uma cultura anticristã que não conheciam, da qual não souberam medir o perigo quanto ao culto devido ao Deus verdadeiro e quanto à salvação das almas. Quando se sabe a que ponto a educação eclesiástica fabrica patetas em série, não há mais do que se espantar?”

“Credos opostos — Assim nosso infortúnio é maior do que o dos cristãos no século XIV: tinham dois Papas, e se isso é motivo de angústia! Mas tinham uma só liturgia, os mesmos sacramentos, uma só doutrina, uma só catequese, um só Credo. Hoje temos aparentemente um só mesmo Papa, mas temos incontáveis liturgias e Credos opostos. O cisma que nos aflige corre como de uma fonte da própria pessoa de Paulo VI, pessoa estranhamente ambígua e dividida à maneira dos heróis de R.L. Stevenson, Dr. Jekill e Mr. Hyde. Temos dois Papas num só. O Papa que escreveu a admirável profissão de fé de Paulo VI não pode ser o mesmo que pronunciou o discurso que apavorou Clavel; o Papa que escreveu a tão tradicional Encíclica “Misterium Fidei” não pode ser o mesmo que dizem ter proibido o rito de São Pio V e que tolera a anarquia litúrgica na Igreja a ponto que tal vigário mude de Cânon cada Domingo e tal outro comece o Credo dizendo “Creio no homem…”.

“O resultado é que, nessa verdadeira guerra civil que dilacera os católicos cada um dos campos opostos pode se apoiar no mesmo Paulo VI mas em atos e textos opostos e inconciliáveis. Eis porque tudo o que no Breve Apostólico que terminou o Concílio foi “decretado para a tranqüilidade e paz de todos os homens”, o que fez de fato foi semear a dissenção e perturbou em primeiro lugar os católicos. Isto salta aos olhos de qualquer observador e seria preciso ser cego para não ver.”

“Esta situação é o que é. É evidente que se desagregará cada vez mais enquanto a unidade e a verdadeira simplicidade dos filhos de Deus não forem restauradas no cume da Igreja e na própria pessoa do Papa.”

“Nas tradicionais “ladainhas dos santos” há uma invocação particular que recomendo aos católicos aflitos: “Para que Vos digneis conservar na Santa Religião o Sumo Pontífice e todas as ordens da hierarquia eclesiástica nós Vos rogamos, ouvi-nos Senhor”.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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