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A maior poluição



Por Gustavo Corção, publicado n’O Globo em 29–11-1973


ALUDI num dos artigos da semana passada aos gloriosos atingimentos do homem moderno: a poluição do ar, a poluição da água, a poluição sonora, e mais dia menos dia a poluição letal da radioatividade nas camadas superiores da atmosfera. Mas naquele artigo deixei de mencionar a poluição religiosa que consiste numa virose espiritual de caráter nunca visto. Seu principal e mais vistoso sintoma é a alvoroçada e irresistível atração que os meios católicos inovadores fazem questão de evidenciar — atração pelo mal e atração ainda mais incontida pela tolice.


TENHO diante de mim dois ásperos exemplos, um de torpeza e outro de hiperbólica tolice. Vejamos a torpeza. Trata-se de uma revista bimestral chamada Courrier Communautaire maio/junho 1973, que logo desde a capa nos promete "Relações novas homens-mulheres". Como ainda não dediquei atento estudo à novidade prometida nas "comunidades de base em Montreal e Cuernavaca", não sei qual será o híbrido estéril que nascerá dessas novas relações. Mas já li na página 12 as palavras aladas de vários entrevistados. A Lucas (casado) "parece evidente que a relação no casal (de 2) é uma relação privilegiada". Admire leitor a técnica que eles usam para dar nomes esquisitos às coisas simples, e nomes simples às coisas esquisitas. Desenvolvendo seu profundo pensamento, o entrevistado Lucas (casado) diz: "Há momentos em que a vida em comunidade parece privar o casal de sua intimidade, mas outros há em que a relação triangular traz um singular enriquecimento ao casal." Aprecie, leitor, os termos "triangular" e "enriquecimento". Que esmero de estilo, que delicadeza de expressões!


UM OUTRO entrevistado, Amaro, que não declara estado civil e me cheira a padre, diz que os termos família e amizade não convêm para falar das relações em comunidade, por se tratar de um novo tipo de relação (?) que ele qualifica de revolucionárias e proféticas. Chego a vislumbrar o que possam ser para Amaro as relações revolucionárias que ele frui nas comunidades de base, mas confesso minha completa cegueira diante do termo "profético". A que vem? Que pretende? Que coisa vergonhosa quererá mostrar ou tentar esconder? O de que não duvido um só instante é que estamos num bordel. E agora entro eu com o meu grito ou gemido que resistiu ao "triangular", ao "enriquecimento", ao "revolucionário" e ao "profético". Até aqui resisti. Agora grito a toda essa canalha que quer fazer triangulações sexuais e disto se orgulha: deixem o cristianismo em paz, se um dia foram praticantes no Sangue de Nosso Senhor, antes esquecerem-se disso do que publicarem tão incoercível inclinação para o sacrilégio. Sim, eles fazem questão de entrar paramentados no bordel; sim, eles não podem ver triangularidades sem correr gritando: — Estou nessa! estou nessa! Como cristão não posso deixar passar essa experiência comunitária!


CORROMPEM-SE assim a família, putrefaz-se a sociedade, e o elemento empregado na difusão de tantas degradações é precisamente aquele que foi vertido para a nossa salvação: o Sangue!


ESSE mesmo número da pornográfica revista na página 30 contém um tópico com este título em negrita: LES PROBLEMES SEXUELS À LA LUMIÈRE DE NOS RAPPORTS AVEC LE CHRIST. Eles chegaram ao nível daquele débil mental da anedota que na cabeça só tinha mulher nua.


NAS PÁGINAS de Notícias (62 e seguintes) lemos: "O EPISCOPADO BRASILEIRO APÓIA AS COMUNIDADES DE BASE."


A CONFERÊNCIA Nacional dos Bispos do Brasil... (CNBB) exprimiu nestes termos seu apoio aos Cursilhos da Cristandade: Esse movimento merece ser sustentado, sobretudo neste momento em que surgem objeções a propósito de sua fidelidade ao Cristo e à Igreja. Esse movimento será tanto mais encorajado quanto mais concretamente se identificar ao espírito do Evangelho. Manifestou-se como um meio eficaz de despertar as energias cristãs adormecidas e como um apelo de Deus à generosidade apostólica dos leigos. EU QUERO crer que nossos funcionários da CNBB nunca leram o folheto canadense e mexicano que recomenda o amor livre triangular, poligonal e bi-direcional em nome de Jesus Cristo. Quero crer que a maioria dos praticantes das comunidades de base engolem o que lhes dizem que é cristão e diretamente importado da Palestina.


NEM os funcionários e dirigentes da CNBB, nem os frequentadores dos Cursilhos andarão todos a praticar novas relações revolucionárias e proféticas. Não são assim depravados, como algum leitor poderia pensar, mas na verdade a alternativa que lhes sobra é melancólica.


O AR, ao menos, foi poluído por violência; a água foi violada, as árvores foram arrancadas, as paisagens estupradas, mas para nossa infinita tristeza os católicos que se julgam revolucionários e proféticos correm ao encontro da poluição e parecem banhar-se nela com deleite.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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