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A Tragédia Conciliar e o Dever de Resistir


Extraído do canal Assoc. Fronteira Católica

“Creio que estamos sob a ameaça de um neo-catolicismo, ou melhor dito, frente a

uma abdicação; não podemos abdicar da fé nem da Igreja para entregarmo-nos

a um humanitarismo laico, naturalista, pseudo espiritualista”.

P. Fr. Alberto García Vieyra O.P. (1958)

Em uma de suas cartas, datada de 1 de março de 2000, Dom Williamson recordou que no fatídico Concílio Vaticano II, enquanto os inimigos – muito ativos – da Igreja tramavam contra ela, a maioria dos Bispos católicos não estava vigiando e orando conforme requerido por Nosso Senhor no início de sua Paixão.

Nesta breve exposição tentaremos demonstrar que ao longo da recente história de nossa cara pátria, em um primeiro momento a maioria de nossos Bispos e leigos resistiram galhardamente contra os inimigos mais encarniçados da Igreja, no entanto, o mesmo não ocorreu nos anos que antecederam o Concílio. Aqui Bispos e leigos capitularam. Alguns, é verdade, como o notável Gustavo Corção, acordaram, se retrataram dos equívocos e combateram bravamente.

Voltemos um pouco no tempo. Modelos de bispos foram Dom Vital (1844-1878) e Dom Antônio de Macedo Costa (1830-1891). Foram – já o dissemos em outra oportunidade – impertérritos defensores dos interesses da santa religião em face das tramas abjetas da maçonaria e do regalismo, glórias imortais do episcopado pátrio. A chamada “Questão Religiosa” (1873-1875), que levou os honrados bispos ao cárcere, marcou a fase derradeira do Império.

Nossas elites estavam em sua maioria maçonizadas, assim como maçonizados estavam número significativo de sacerdotes, justamente o que levou Dom Vital a deixar claro: abjuração ou excomunhão.

Lembremo-nos ainda outro fato marcante ocorrido algumas décadas antes da questão religiosa. O Pe. Diogo Antônio Feijó (que fora regente entre 1835-1837), um dos padres maçonizados, esteve próximo de levar o país ao cisma, vindicando uma igreja nacional tal como outrora aventara o pérfido Marques de Pombal. Quando integrava a Comissão dos Negócios Eclesiásticos, Feijó lavrou parecer favorável a abolição do celibato dos padres. Nesse momento, ergue-se altaneira a figura de dois grandes vultos de nosso catolicismo: D. Romualdo Antônio de Seixas (1787-1860), arcebispo da Bahia e marquês de Santa Cruz e José da Silva Lisboa (1756-1835), o Visconde do Cairu.

O primeiro publicou, ainda em 1834, um opúsculo intitulado “Reflexões, que oferece o arcebispo da Bahia à judiciosa consideração dos Senhores Deputados sobre o parecer da respectiva Comissão Eclesiástica, acerca do celibato clerical”; já o velho Cairu, um de nossos homens públicos mais experimentados e que tanto fez pelo bem do Brasil e da Igreja, também em 1834, um ano antes de sua morte, publicou um livreto de 134 páginas intitulado “Causa da Religião e disciplina eclesiástica do celibato clerical, defendida da inconstitucional tentativa do Padre Diogo Antônio Feijó”.

Na constituinte de 1823, a figura veneranda e encanecida de Cairu já havia se firmado. Nas palavras do crítico Oscar Mendes, nesta constituinte se deu o embate entre o espírito tradicional e católico do nosso povo e as ideias do falso liberalismo maçônico, aliado e apoiado às doutrinas regalistas:

“Cairu é então o vulto mais nobre da grande Assembleia. Ele encarna o Brasil tradicional, o Brasil brasileiro, o Brasil católico, defendendo os seus direitos contra a intrusão de doutrinas deletérias, de liberdades desarrazoadamente compreendidas. Travam-se os debates sobre a liberdade religiosa. A voz do ancião brada pelos direitos da consciência católica do povo brasileiro” (O liberalismo no Brasil sob o ponto de vista católico).

A partir de 1866, sob a justificativa de não se criar óbice à política imigratória, políticos liberalões e maçonizados intensificaram a luta em favor da liberdade de cultos e do casamento civil. Uma vez mais ergue-se a voz do grande arcebispo da Bahia, D. Romualdo Seixas, que em 1859 apresenta uma eloquente “Representação dirigida às Câmaras legislativas acerca da proposta do governo sobre o casamento civil”. Contra o casamento civil também se levantou o ilustre jurista Conselheiro Pedro Autran da Matta e Albuquerque (1805-1881), para quem “sendo o casamento um ato sacramental, o poder civil não pode legislar sobre o casamento dos fieis”.

Sobre a liberdade de cultos, D. Luís Antônio dos Santos (1817-1891), arcebispo da Bahia e Marques de Monte Pascoal, assim se manifestou em uma patriótica e enfática Representação enviada a S.A Imperial Regente:

É próprio do pastor gritar bem alto quando aproxima-se do rebanho qualquer perigo; não poderá, portanto, causar estranheza que suba até o trono imperial a voz, embora enfraquecida pela velhice, de um pastor que se vê na guarda de um rebanho que nunca recuou perante a necessidade de dar testemunho da sua fé. Se fora licito desenvolver razões sobre a perniciosa teoria da liberdade de cultos no momento em que a este respeito fala o supremo pastor da cristandade, o Vigário de Jesus Cristo, eu procuraria firmar este meu protesto sobre um só ponto: a liberdade de cultos dissolvendo entre os brasileiros a unidade de doutrina em matéria de fé, torna-se o golpe mais certeiro contra a integridade do Império. Está escrito: o reino dividido cairá. E por mais alto que esteja colocado o trono imperial, certamente não deixará de ter chegado até aí o eco sinistro de mudança de forma de governo, desprendido dos lábios daqueles mesmos que calorosamente advogam a causa da liberdade de cultos.

Voltemos à “Questão Religiosa” apenas para que não faltemos com a justiça. Importa destacar a atuação dos deputados Tarquínio de Souza (1829-1894) e Leandro Bezerra (avô do grande jurista e católico sincero que foi Geraldo Bezerra de Menezes, fundador do Tribunal Superior do Trabalho) e dos Senadores Cândido Mendes de Almeida (1818-1881) e Zacarias de Góes e Vasconcellos (1815-1877) na defesa de Dom Vital e Dom Antônio.

Em discurso vibrante, Tarquínio de Souza afirmava sem rebuços e sem qualquer respeito humano:

Senhores, tem-se procurado contrapor a posição de cidadão brasileiro à de católico apostólico romano, tem-se dito que, desde que as leis do Império forem opostas às leis da Igreja, devemos obedecer àquelas em prejuízo destas.

Declaro solenemente que não estou por essa doutrina.

JOÃO MENDES E OUTROS SENHORES: – Muito bem!

TARQUÍNIO DE SOUZA: – Sou brasileiro pelo meu nascimento, amo, como quem mais amar, a minha pátria, e estou disposto a fazer por ela todos os sacrifícios que de mim se exigirem, assim como estou certo de lhe haver prestado aqueles serviços que estão nas minhas limitadas forças.

DIOGO DE VASCONCELLOS: – Tem prestado muito bons serviços.

TARQUÍNIO DE SOUZA: – Sou, porém, católico pelo meu batismo, felizmente não conheço antinomia alguma entre as leis do meu país e as da Igreja a que pertenço.

Declaro, porém, à Câmara que, se infelizmente houvesse leis no Brasil que fossem de encontro às leis da Igreja, neste conflito, antes de tudo, obedeceria às leis da Igreja, cumpriria as promessas do meu batismo, porque entre Deus e o Homem, entre a pátria terrestre e a pátria celeste, a que eu aspiro, a escolha não pode difícil a quem, como eu, firmemente crê na vida eterna

Com o advento da República o regalismo (que fora fomentado já por Pombal e que corrompeu o regime do padroado) ruiu, mas ascendeu o laicismo absoluto, a escola sem Deus, a secularização dos cemitérios etc.  O número de dioceses e seminários aumentaram, importantes jornais católicos surgiram, como “A União”, dirigido pelo grande José Felício dos Santos. A despeito do laicismo republicano, predominava o respeito entre os dois poderes, no entanto, gerações e gerações (até os nossos dias) foram forjadas na escola sem Deus e no mais abjeto naturalismo. Não tardou para que as lideranças católicas levantassem coro contra o chamado “ensino neutro”.

O insigne escritor Carlos de Laet (1847-1927), em conferência pronunciada no 2° Congresso Católico brasileiro ocorrido em 1916, revelou o caráter pérfido do ensino neutro:

“Senhores, eu vos asseguro que tudo isto são palavras para esconder um pensamento. O ensino leigo não existe, não pode existir como equivalente da perfeita neutralidade. É mais uma visualidade, das muitas a que se tem habituado a falsa democracia. Tirai-lhe a máscara e esse fantasma, a este ídolo da praça pública, e ele terá de confessar quem é: – Eu sou a eliminação de Jesus Cristo na alma da criança; sou a paganização progressiva de um povo que já desconhece ao Criador na lei fundamental e que amanhã o negará nos costumes; sou a ordem do governo para que o povo desaprenda o Eterno pai, que tudo rege e governa; sou a covarde transigência do católico com a tirania revolucionária; sou o primeiro deslize na rampa fatal que nos há de levar ao esquecimento dos deveres e finalmente à sociedade sem Deus”

O destacado jurista e líder católico Lacerda de Almeida (1850-1943) também saiu em defesa do ensino religioso, assim como o renomado jesuíta Pe. Leonel Franca (1893-1948), que chegou a escrever um excelente opúsculo intitulado “Ensino religioso e ensino leigo”. Como resultado veio o Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, instituindo ensino religioso facultativo nas escolas públicas, que teve como maiores opositores as hordas protestantes e maçônicas.

O Centro Dom Vital, fundado em 1922 pelo genial Jackson de Figueiredo (1891-1928), concentrava a fina flor da intelectualidade brasileira: Tristão de Ataíde, Sobral Pinto, Perillo Gomes, Durval de Moraes, Hamilton Nogueira, Tasso da Silveira, Alcebíades Delamare etc.

Malgrado a inicial e salutar oposição intrépida ao laicismo e ao maçonismo, no começo da década de 30 já se podia observar uma mudança de mentalidade nos escritos dos principais colaboradores da revista “A Ordem”, órgão informativo do Centro. Era a influência do filósofo Jacques Maritain (1882-1973). Todos no Centro eram maritanianos, até mesmo Gustavo Corção. Todos maritanianos e ultrademocráticos. Regimes como os de Franco e Salazar lhes causavam ojeriza. Faziam parte da chamada Resistência Democrática Alceu, Corção, Sobral Pinto, Fábio Alves Ribeiro e muitos outros. Depois veio o Partido Democrata Cristão – PDC, cuja maior expressão política entre nós foi André Franco Montoro, que chegou a ser governador do Estado de São Paulo e acabou social democrata, sendo um dos fundados do PSDB.

A confusão era geral. Ninguém imaginava que tais ideias estavam muito distantes dos ensinamentos de Pio XII, Pio XI e especialmente de São Pio X.

Importa destacar ainda a influência exercida sobre os membros do Centro pelo Pe. Lebret (1897-1966), responsável pelo grupo intitulado “Economia e humanismo”, e também pelos famosos jesuítas Teilhard de Chardin (1881-1955) e Karl Rahner (1904-1984), que tanta influência teriam no Concílio Vaticano II. A Teologia da Libertação incorporou em grande medida o pensamento desses autores. Há um livro muito interessante do Pe. Ulisse Alessio Floridi, cuja leitura recomendamos, chamado “O Radicalismo Católico Brasileiro: para onde vai o catolicismo progressista no Brasil” (1975). Nesse livro é possível constatar como o pensamento dos autores referidos – somados ao pensamento de autores marxistas de diversas orientações – foram inoculados nos mais variados movimentos e siglas que surgiram após o Concílio Vaticano II. Recentemente um grupo de estudiosos que participaram da assembleia plenária do Pontifício Conselho para a Cultura [que discutiu “O futuro da humanidade: novos desafios à antropologia”], enviou uma petição ao Papa Francisco solicitando que ele renuncie ao “monitum” emitido pelo Santo Ofício em 1962 sobre os escritos do padre Teilhard de Chardin.

Para se ter uma pálida noção do quanto o humanismo naturalista maritaniano e o evolucionismo de Teilhard de Chardin (também conhecido como o profeta do Cristo cósmico) haviam se arraigado no Centro Dom Vital, um dos cursos regulares disponibilizados em 1963 era: Terças-feiras – A espiritualidade em Teilhard de Chardin – Prof. Frei Pedro Secondi, OP; Sextas-feiras – Democracia e Cristianismo – Prof. Gustavo Corção. Ninguém ainda – repetimos – se dava conta da incompatibilidade entre o pensamento de tais autores e os ensinamentos dos recentes pontífices. A confusão permanecia. Todos pareciam dormir. Doravante estas ideias malsãs passariam a ser a doutrina oficial da Igreja e se faria notar nas encíclicas e discursos de todos os Papas.

Na Argentina, já em 1945, o Pe. Julio Meinvielle (1905-1973) lançou um livro em que aponta os equívocos de Maritain. O livro chama-se “De Lammenais a Maritain”. Sobre a “nova cristandade” propagada por Maritain, acentua o sacerdote: “a vida social humana fica subtraída à influência sobrenatural, e como os indivíduos não podem evitar que esta vida social influa sobre eles, neste caso não poderão evitar que influa sobre eles, naturalizando-os, isto é, desordenando-os, ao dirigi-los a um fim que não é o concreto proposto pelo Criador aos homens. Primeiro erro gravíssimo da nova cristandade de Maritain: Exclusão da Igreja da vida social humana”.

Na Espanha, em 1951, o filósofo Leopoldo Eulogio Palacios (1912-1981) escreve um livro em igual sentido. Em 1958, também na Argentina, Frei Alberto Garcia Vieyra (1912-1985), dominicano, já fazia ver que o humanismo maritaniano era uma forma comum de aversão a Deus e às coisas da Igreja que invadiu o campo católico. E acrescentava:

Precisamente é a aversão a Deus e à Igreja que se manifesta entre os católicos como forma comum de pensamento e ação.

Não exageramos. Esta forma de aversão ocorre atualmente no humanismo cristão, que como é sabido tem suas origens no Humanismo Integral de Jacques Maritain.

Como aversão ao sobrenatural, não tolera senão uma fé subjetivista, no foro interno, e propõe uma concepção naturalista das instituições sociais e políticas.

Tal concepção humanista ou pluralista esterilizou e corrompeu todas as forças reais do apostolado católico, conduzindo-o ao beco sem saída das concessões, da tolerância, dos silêncios cumplices. Se em nosso país, todo o ensino superior está nas mãos de marxistas é por obra e graça desses católicos pluralistas. Se em um congresso de educação, formado por católicos, não se fala absolutamente nada da doutrina da Igreja e se fala indefinidamente da pessoa humana, é também por esse tipo de católicos.

Uma das notas distintivas de um tal humanismo é o “silêncio frente ao erro e frente à heresia”. Conclui amargamente do dominicano:“A fé, segundo o pluralismo, deve ser deixada de lado para se estabelecer uma forma de convivência laica, naturalista, onde não haja espaço para o sobrenatural, onde o sobrenatural desapareça”. É indubitavelmente o que preconiza a última encíclica do Papa Francisco.

No Brasil, Gustavo Corção e Alfredo Lage (autor pouco conhecido, mas de grande talento) só vão abandonar definitivamente os equívocos maritanianos na década de 70, no entanto, a maioria dos que pertenceram ao Centro Dom Vital permaneceram na confusão.

Tudo quanto foi exposto acima serve para nos advertir que até mesmo os bons, às vezes, não vigiam e para fazer ver que as ideias perversas outrora combatidas bravamente por Bispos e leigos, hoje foram assimiladas pela hierarquia covarde e traidora.

Monsenhor Lefebvre costumava dizer é impossível conceber tudo o que os maçons e seus colaboradores dentro do Vaticano estão tramando e planejando para entregar a Igreja Católica de pés e mãos amarrados ao poder dos inimigos de Cristo. Palavras fortes, não há dúvida!

Dom Williamson, na mesma linha, recordou que assim como os principais inimigos de Jesus, que o odiavam até a morte, precisaram de um apóstolo para traí-lo, então é certo que embora possamos culpar judeus e maçons (e outros como eles) por engendrarem a destruição da Igreja, não podemos olvidar que foram necessários clérigos de dentro para operar a traição e destruição reais.

Gustavo Corção chegou à mesma conclusão em 1973, em um artigo publicado no Estado de S. Paulo e que levou a Cúria Metropolitana do RJ a pedir que os fiéis não o seguissem mais. Dizia o artigo:

“É a própria hierarquia que destila o veneno que se transforma, se multiplica e se volta contra ela. Todo o mundo, hoje, sabe que são os bispos, com algumas santas exceções, que estão comandando a destruição, a comunização, a pulverização da Igreja”.

Que Nosso Senhor suscite novos defensores de sua Igreja, novos Bispos como Dom Vital, Dom Antônio de Macedo Costa; novos leigos como Corção, Visconde do Cairu, e tantos outros lembrados linhas acima. Muitos não vigiaram e não oraram, e os inimigos avançaram; mas muitos estavam alertas e combateram o bom combate. Vigiemos também nós, e peçamos a graça de não esmorecermos na guerra que se trava em nossos dias.

Para encerrar, merecem reflexão estas palavras de Dom Williamson:

“ Se os católicos de hoje tentarem compreender por qualquer medida meramente humana esta crise da Igreja, única por sua escala e profundidade em 2.000 anos de história da Igreja, eles correm o risco de serem esmagados pela escuridão”.

(…) Na crise atual da Igreja e do mundo, nossa força está somente em Deus, porque humanamente falando, somos impotentes diante das provações que nos confrontam. Nossos inimigos são todo-poderosos e os de dentro da Igreja são muito mais perigosos do que os de fora. 

(…) Nosso Senhor odeia esses traidores, como podemos ser fortemente tentados a pensar? Não, ele busca apenas a salvação deles, embora sua punição seja horrível se eles não se arrependerem.

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