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Carta pastoral do Arcebispo de Goiânia



Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 16-08-1973


DOM Fernando Gomes, Arcebispo Metropolitano de Goiânia, dirigiu recentemente (29-6-73) a seus diocesanos uma carta pastoral onde teve várias críticas ao "atual regime" que governa o Brasil, e deixa entrever claramente o regime que gostaria de ter para a pátria de seus diocesanos. Como também é minha a referida pátria, acho-me no direito, e no dever, de comentar o exorbitante documento onde o Exmo. Sr. Arcebispo só não fala de religião, a não ser indiretamente no tópico em que incita seus fiéis à conscientização de "injustiçados" e "oprimidos".


A PARTE introdutória da Carta Pastoral é feita de referências aos pronunciamentos da CNBB sobre os Direitos Humanos. Logo depois, abordando o Aspecto Político, entra a criticar o atual Governo, não! Entra a agredi-lo. Começa por dizer que o movimento repressivo que salvou o Brasil do comunismo e da anarquia estabeleceu-se à margem do Direito. Com isto, Sua Excelência nega claramente o direito de defesa das sociedades, e o dever de repressão da anarquia. Reconhece os serviços prestados pelos três Governos desde 64, mas atribui-os à intenção de "impressionar", de causar impactos, e em linha alguma concede que o "saldo positivo" tenha sido alcançado pela inteligência e pelo patriotismo dos governantes. Vencido pela evidência solar dos fatos chega a reconhecer que o Brasil tornou-se um país rico — quando em 64 se precipitava para o abismo de desordens que hoje devora o Chile, esperando amanhã devorar os demais países da América Latina que não se defenderam — sim, reconhece, o fato do reerguimento brasileiro conhecido no mundo inteiro, mas logo escreve a fórmula maldosa: "país rico de povo pobre!" Sua Excelência, que numa linha de sua carta pastoral reconhece sua ignorância em assuntos econômicos, quatro linhas abaixo escreve que "conhecemos estudos dos melhores economistas..." e daí em diante passa a "explicar", com argumentos que julga muito inteligentes, a opção que produziu aquele resultado: país rico de povo pobre. Declara enfaticamente que esse método de "corrupção ultrapassa os limites do suportável".


SUA Excelência não vê, ou não quer ver, a mestria com que a anarquia econômica, deixada pelos depredadores do Brasil antes de 64, foi dominada nos Governos seguintes e especialmente no atual; não vê ou não quer ver que esse admirável resultado não seria conseguido sem uma política conjunta de confiança e tranquilidade reconhecida externa e internamente, com exceção dos que desejavam e ainda desejam para o Brasil a "justiça social" que leva o pobre Chile à fome e à desordem geral. Sua Excelência também não compreende ou não quer compreender que cabe agora à sociedade, ao povo, aos governados, aproveitar o enriquecimento do Brasil para transformá-lo em bem-estar mais amplo. Não é possível enriquecer um povo com a "justa" distribuição dos cacos de um país destruído. Sua Excelência parece nunca ter sabido que, na obra conjunta de prosperidade de um povo, não cabe ao Governo a tarefa total, nem se removem em pouco tempo taras culturais e políticas acumuladas. Retifico o que acabo de dizer. Há uma filosofia que transparece na Carta Pastoral de Dom Fernando onde até toma proporções de culpa a parte da Igreja. identificada com o Povo de Deus, no atual regime injusto e opressor. O "povo" é culpado por não se haver revoltado, mas Dom Fernando, como veremos, anuncia na Carta Pastoral seus preparativos para despertar o "povo" para a conscientização de "injustiçado" e "oprimido".


DESSE ponto em diante, na página 5 da Carta Pastoral, Dom Fernando queixa-se amargamente dos Bispos que não querem aceitar a unanimidade em torno da bandeira revolucionária. Nós outros, mais de uma vez lamentamos a falsa unidade com que os Srs. Bispos, envolvidos nas engrenagens da CNBB, fizeram infelizes pronunciamentos que muitas vezes não exprimiam as convicções dos signatários e muito menos de todo episcopado. Agora, quando começam a surgir sábios pronunciamentos pessoais, com responsabilidade própria, e quando começávamos nós a nos alegrar, entristece-se Dom Fernando, e lamenta as vozes que ousam discordar da Onda.


NA PARTE final de sua Carta, tópico 2, 3, intitulado Ação Pastoral, Dom Fernando delineia todo um programa de "conscientização" e de promoção de estudos e pesquisas, não no plano de sua autoridade religiosa, mas neste outro de despertar nos povos o sentimento de "injustiçados" e "oprimidos".


ENTENDEMOS que idealistas políticos, mal ou bem norteados, queiram dedicar-se à tarefa de combater um regime para instaurar outro. Esse tipo de homem deverá estar prevenido e preparado para as reações da sociedade ou do Governo que se defende de uma agressão.


DOM Fernando parece não estar preparado para esse tipo de consequência de seus atos, porque de longos anos habituou-se a fazer da Igreja uma espécie de pique.


* * *


VOLTAREI a comentar a Carta Pastoral de Dom Fernando porque, nestas linhas, por necessidade de recomposição da lógica que falta no documento estudado, saltei por cima de um tópico que merece desdobrado comentário.


FAÇA-ME o leitor o obséquio de esperar até sábado, e se não é muito pedir, faça-me o favor de enquadrar nossos comentários de sábado próximo nestes que hoje registramos.

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