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Sermão da Septuagésima 2016 – por Dom Tomás de Aquino

Ep. I Coríntios 9, 24-27–10, 1-5.

Evangelho (S. Mateus 20, 1-16)

Irmãos: Não sabeis que os que correm no estádio, todos correm, não há dúvida, mas um só é que alcança o prêmio? Correi, pois, de tal maneira que o alcanceis. Os atletas que combatem na arena, de tudo se abstêm: eles, para alcançar um coroa corruptível; nós, porém, incorruptível. Quanto a mim, corro, pois, mas não como à ventura; combato, mas não como quem esgrime no ar; ao contrário, castigo o meu corpo, e reduzo-o à escravidão, (para que) não suceda que, tendo pregado aos outros, eu mesmo venha a ser réprobo. Não quero, pois, irmãos, que vós ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e que todos passaram o mar, e todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar, e todos comeram do mesmo alimento espiritual, e todos beberam da mesma bebida espiritual (porque bebiam todos de um rochedo espiritual, que os seguia – rochedo este que era Cristo). Todavia, Deus não se agradou de muitos deles.

Naquele tempo: Disse Jesus aos seus discípulos esta parábola: “O Reino dos céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu a contratar operários para a sua vinha. E, tendo ajustado com os operários um denário por dia, mandou-os para a sua vinha. Tendo novamente saído cerca da terceira hora, viu outros, que estavam na praça, ociosos. E disse-lhes: Ide vós também para minha vinha, eu dar-vos-ei o que for justo. E eles foram. Saiu outra vez cerca da hora sexta e da nona, e fez o mesmo. E, cerca da undécima, saiu ainda, e encontrou outros, que estavam de costas direitas, e disse-lhes: Por que estais aqui todo o dia ociosos? Eles responderam: Porque ninguém nos contratou. Ele disse-lhes: Ide vós também para a minha vinha. No fim da tarde, o senhor disse da vinha ao seu mordomo: Chama os operários, e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até os primeiros. Tendo chegado, pois, os que tinham ido cerca da hora undécima, cada um recebeu um denário. E, chegando também os que tinham ido primeiro, julgaram que haviam de receber mais; porém, também eles receberam um denário cada um. Ao receberem, murmuravam contra o pai de família, dizendo: Estes últimos trabalharam só uma hora, e pagaste-lhes o mesmo que nós, que suportamos o peso do dia e o calor. Ele, porém, respondendo a um deles, disse: Amigo, eu não te faço injustiça; não ajustaste tu comigo um denário? Toma o que é teu, e vai-te; que eu quero dar também a este último tanto quanto a ti. Ou não me é lícito fazer o que quero do que é meu?! Porventura és tu invejoso, porque eu sou bom? É assim que os primeiros serão os últimos, e os últimos primeiros. De fato são muitos os chamados, e poucos os escolhidos.”

PAX

No Evangelho de hoje, Nosso Senhor nos resume em poucas palavras o mistério da história do mundo desde Adão e Eva até o último predestinado, que nascerá antes do fim do mundo, quando Nosso Senhor virá julgar os vivos e os mortos. Ao mesmo tempo que Nosso Senhor nos fala da história do mundo, Ele nos descreve também a vida de cada um de nós. O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que saiu ao romper da manhã para contratar operários para a sua vinha. O pai de família é Deus, pois Deus é o pai de toda a criação e criou todas as coisas.

Ele é pai, sobretudo pela graça, ou seja, Ele é pai dos que recebem e perseveram na graça recebida no dia de seu Batismo, que morrem na graça divina, entram na bem-aventurada eternidade e gozam da visão beatífica, tendo passado, se necessário, pelo Purgatório para pagar o que restava de pecado em suas almas.

O pai de família é, pois, Deus. O romper do dia é o início do mundo. É o tempo que vai de Adão a Noé. E Ele sai para contratar operários para a sua vinha. A vinha é a Igreja. Deus faz tudo para sua vinha, que é a Igreja, cujos membros vão de Abel, o primeiro justo a deixar este mundo, até o último que entrará no céu. A Igreja, embora fundada por Nosso Senhor, encerra também todos os santos do Antigo Testamento.

Tendo combinado com alguns o trabalho por um denário, Ele os mandou para a vinha. Denário vem de dez. Dez são os mandamentos. Nas moedas antigas cunhava-se a imagem dos reis. Os dez mandamentos são a imagem de nosso Rei e nosso Deus. Quem as observa traz em si mesmo a imagem e semelhança de Deus, pois Deus nos criou à sua imagem e semelhança.

Ele contrata os operários para trabalharem na vinha, logo, ele os contrata como empregados, como mercenários. Ora, o mercenário, o empregado, deve trabalhar naquilo que não é dele, mas do patrão. A Igreja não é daquele que trabalha nela. Ela é de Deus. Logo, quem aí trabalha não deve trabalhar para si mesmo, mas para Aquele que o contratou.

Seja o que for que nós façamos, façamos tudo para a glória de Deus e não para a nossa. Que em tudo Deus seja glorificado, nos diz São Bento na Regra. “Não a nós, não a nós mas ao vosso nome dai glória”, diz o salmo. A pureza de intenção, ou seja, a intenção de trabalhar para Deus e não para si é a condição exigida pelo pai de família para que se receba a recompensa. Judas trabalhou para si, pois era ladrão, diz São João no seu Evangelho: “Judas guardava o dinheiro para si e não para a Igreja”. Antes dele, Caim trabalhou para si e não para Deus. Por isso Caim matou Abel.

Todas as vezes em que abandonamos os interesses de Deus para fazer não o que Deus quer, mas o que nós queremos, nós traímos a confiança do Pai de família, traímos o contrato, não somos fiéis às promessas de nosso Batismo. Esta traição, este pecado, pode ser visível aos olhos dos homens, como o pecado de Caim que matou Abel; mas ele pode também ser oculto aos olhos dos homens, como um mau pensamento plenamente consentido, um ódio guardado no coração, ou, o que é ainda pior, um pecado que recebe o aplauso dos outros homens, como hoje em dia o pecado do modernismo, da liberdade religiosa, os pecados contra a fé, dos que destroem a Igreja Católica com ares de quem faz o bem e por isso recebem os aplausos do mundo, como os recebe o papa Francisco.

É também o pecado dos que escrevem livros para promover o divórcio, o aborto, a eutanásia. É o pecado que se comete na sala de espera dos hospitais, onde preservativos são postos à disposição de todos gratuitamente. Aqui tivemos uma cena chocante no domingo retrasado. Não se iludam. Muito mais grave do que um surto de um doente é o pecado feito conscientemente, educadamente, legalmente, como são as bancas de jornal de Friburgo e as reuniões da Maçonaria e do Rotary Club. Esta cidade de Nova Friburgo já foi punida uma vez. Ela o será novamente e o mundo inteiro com ela, pois ela resiste a Deus e infringe seus mandamentos todos os dias. Mas prossigamos.

“Saindo à Terceira Hora, viu outros que estavam ociosos na praça.” A Hora Terça é o tempo que vai de Noé a Abraão. Mas é o tempo também em que, deixando a infância, o adolescente começa a receber a luz da inteligência. A Hora Terça, entre os romanos, correspondia às nove horas da manhã, hora em que o sol começa a dardejar a terra com seus raios, e hora em que a inteligência, que é o sol de nossa alma, começa a iluminá-la. Não deixemos nossa inteligência perecer na ignorância das coisas de Deus. Não deixemos nossa inteligência se atrofiar nos jogos eletrônicos, abandonando as luzes mais nobres da verdadeira literatura e, sobretudo, da fé, que é uma luz infinitamente superior.

Aos quinze anos, Santa Terezinha já compreendia profundamente os mistérios da Comunhão dos Santos, da vida consagrada, do valor da mortificação, sabia de cor a Imitação de Cristo e tinha bastante maturidade para pedir ao Papa Leão XIII sua entrada antecipada no Carmelo.

E o que diz o Pai de família a estes da Hora Terça? Ele diz a estes que estavam na praça ociosos: “Ide também para minha vinha e eu vos darei o que for justo”. Eles estavam na praça porque na praça ou no fórum, como diz o texto latino, compra-se, vende-se e fazem-se processos.

Eles estavam, pois, ocupados com as coisas deste mundo e nada tinham feito por Deus e pelas almas. Por isso, Deus diz que eles estavam ociosos. Ociosos porque haviam passado parte de suas vidas não fazendo nada de útil para a salvação de suas almas, nada para a glória da Santa Igreja. Assim estava Santo Inácio de Loyola até sua conversão. Assim estava São Mateus até ser chamado por Nosso Senhor para ser discípulo. Assim estava Gustavo Corção até ser tocado pela graça e ter retornado à fé de seu Batismo. Assim estava Santo Agostinho até os vinte e oito anos de idade, quando se converteu por causa das orações e lágrimas de sua mãe.

Saiu outra vez o Pai de família na Hora Sexta e na Hora Noa. A Hora Sexta corresponde ao meio-dia e a Hora Noa às três horas da tarde. Nas idades do mundo, a Hora Sexta corresponde ao tempo que vai de Abraão a Davi e a Hora Noa, o tempo que vai de Davi a Nosso Senhor.

Comparando com a vida de um homem, a Hora Sexta é a idade adulta em que os raios da inteligência são mais fortes. A Hora Noa, a velhice.

Estas duas horas são postas juntas pois as idades são, no fundo, as mesmas. Dom Lefebvre foi missionário na idade adulta e não deixou de sê-lo na velhice. Uma velhice saudável permite prolongar o que se fazia na idade adulta e a inteligência dos anciãos não fica atrás das dos homens adultos. Muito pelo contrário: muitos deram o melhor de si mesmos quando já estavam em idade avançada, como São Pio X, Pio IX, Dom Lefebvre, Dom Antônio de Castro Mayer, Gustavo Corção e, como pensamos e esperamos, Dom Williamson e Dom Faure.

Por falar em Dom Williamson, se Deus quiser, ele virá este ano para confirmar os Santos Óleos e administrar a Crisma. Todos os que têm filhos, parentes ou amigos para crismar entrem em contato comigo. É necessário estudar o Catecismo de São Pio X na parte do Credo e na parte dos Sacramentos, e devem fazer uma prova para se avaliar seus conhecimentos antes de ser administrada a Crisma.

O melhor é saber todo o catecismo, mas quem souber bem estas duas partes poderá receber a Crisma. Às crianças será pedido menos, basta um conhecimento proporcional às suas capacidades, praticamente o mesmo que para a Primeira Comunhão mais algo sobre a Crisma. Se a criança já tem muita capacidade, deve aqui dar mais.

Por fim, o Pai de família sai à Undécima hora, que corresponde ao tempo que vai de Nosso Senhor ao fim do mundo. E Ele lhes diz: “— Por que ficaste aqui ocioso o dia todo?” E eles respondem: “Porque ninguém nos contratou”. Esta era a condição dos pagãos, dos gentios, ou seja, dos não judeus, quando Nosso Senhor veio ao mundo.

Mas Nosso Senhor vai enviar os seus apóstolos até as extremidades da terra, chamando a todos para entrarem na Santa Igreja Católica. A Igreja é essencialmente apostólica e ela chama as almas em toda parte. “Ide vós também para a minha vinha”. Estes são também os que se convertem na última hora de suas vidas, como São Dimas, ou como algum ancião que por misericórdia divina se converte e morre quando já não se esperava mais tal conversão.

Caindo já a tarde, Ele chama os trabalhadores e paga-lhes a diária. Diária porque mil anos é para Deus como o dia de ontem que já passou. Nossa vida passa num piscar de olhos, e mortos em breve, caríssimos irmãos, nós estaremos diante de Nosso Juiz e Salvador.

Façamos agora o que nos pode ser útil neste momento decisivo que fixará nossa eternidade. E o pai de família dará a cada um a paga de um denário que representa a vida eterna. Se possível fosse, os próprios eleitos murmurariam. Os patriarcas que viveram novecentos anos murmurariam ao ver São Domingos Sávio entrar na glória aos quinze anos. Trabalhar novecentos anos e trabalhar quinze: a recompensa será a mesma vida eterna. Para Deus, o que conta é a caridade. É o amor de Deus. Seu tempo foi curto, mas ele percorreu uma longa distância, diz a Escritura.

Percorramos um longo caminho também. Pelo Santo Caminho demos passos de gigante e assim seremos os primeiros, mesmo tendo vindo por último. Eis a graça que desejo a todos, pela intercessão do Imaculado Coração de Maria. Assim seja.

Dom Tomás de Aquino

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