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A Vida Religiosa II

Gustavo Corção

“O Globo” – 03/08/1974

No artigo de quinta-feira lembrei o que nos ensinaram vinte séculos de cristianismo, e que até anteontem era trivial conhecimento no mundo católico. Refiro-me à importância que sempre teve o monaquismo, como quilate do valor propriamente cristão de uma sociedade e como esplendor da Igreja. Sempre que a Igreja esteve em perigo ou em crise, foram religiosos que a vieram escorar, como no tempo de São Francisco e de São Domingos, que o Papa Inocêncio III viu em sonho acorrerem para o arrimo do cristianismo. Foi a crise da vida religiosa que formou caldo de cultura de onde saiu o desastre do protestantismo. Lutero era um religioso, um homem de votos e clausura, tornado traidor e trânsfuga.

Não admira, pois, que na crise medonha que hoje assola a civilização e desmantela a Igreja, os frades e as freiras ponham tamanho empenho em tomar a dianteira da degradação. Nesta matéria tivemos no Brasil um triste destaque: as mais gloriosas ordens religiosas produziram e continuam a produzir os mais abomináveis frutos: jesuítas, beneditinos, dominicanos e franciscanos parecem empenhados na disputa de uma espécie de prêmio Nobel de rebaixamento e de perversidades. Os moços foram especialmente perseguidos com uma gula indecente, e é rara a família brasileira que não tenha uma filha pervertida ou um filho assassinado na fé por um daqueles religiosos. Para completar a vergonha e culminar a tristeza, todas as apostasias tomaram a direção dos mais odiosos inimigos da Igreja. Sim, a sedução máxima exercida pelo século sobre os religiosos se fez com a n…. feia, burra e triste que é o comunismo. Foi nesse excremento de uma diarréia histórica que se atolaram os religiosos enjoados de ave-marias e padres-nossos, enjoados do Corpo e do Sangue do Salvador.

Não será de admirar, portanto, que a reunião dos religiosos efetuada no Colégio S. Bento conserve a mesma força dissolvente e degradante, como se vê facilmente nos opúsculos distribuídos, e nos pronunciamentos publicados nos jornais. Abrindo ao acaso um deles, de autoria de um jesuíta, lemos: “A visão anterior ao Concílio pode ser caracterizada como estática, onde os valores se consideravam estabelecidos definitivamente e válidos para sempre.” Neste tópico o autor explora a vulgaríssima idéia de que tudo é estático e defeituoso – idéia evidentemente cômica e imbecil, mas muito atraente para os espíritos fracos. Atribui a asneira ao Concílio e desenvolve seu pensamento, se pensamento há, nestes termos: “O Concílio reconheceu a revelação cristã como sendo essencialmente histórica, portanto inserida na evolução incessante e crescente da Humanidade.” E daí conclui que a Igreja deve correr atrás do Século. Esse religioso não percebe talvez que já se afastou da fé cristã quando diz que a Revelação é “essencialmente histórica”, esquecido de que, tanto por seu objeto como por sua fonte, a Revelação transcende a história, e também esquecido de que, com a morte do último apóstolo, encerrou-se o desenvolvimento histórico da Revelação que galga a estabilidade, sim a superior condição estática das coisas supra-históricas.

Há, porém, nesses opúsculos dos “religiosos” e “religiosas” uma coisa curiosa que me aflige mais do que a polimórfica perversidade da heterodoxia. É o estilo. Sim, leitor. Não se horrorize, nem julgue que eu pretenda aqui colocar categorias literárias acima das verdades de Deus. O estilo deles me aflige, pelo que revela; e o que revela de maneira inequívoca e cruel é o vazio de seus autores. Esses homens que deveríamos chamar homens de Deus, que prometeram seguir o Cristo e para isso prometeram se crucificar pelos votos nos conselhos evangélicos, esses homens oficialmente engajados na mais bela história do mundo, seguidores de uma tradição que produziu ao lado da piedade mais santa as mais belas obras da palavra humana, esses pobres decadentes da grande raça das Teresas, dos Francisco de Sales, dos João da Cruz, esses degenerados escrevem molhando a pena no Sangue de Cristo, se ainda é válida a Missa que celebram, e produzem um estilo mais inodoro, mais insípido, mais exangue do que se lê nas mais áridas páginas do Diário Oficial.

E é nessa aridez exterior, nessa secura aflitiva, besuntada de um pedantismo que lhes dá às vezes um falso brilho, sem lhes trazer nenhum orvalho de umedecimento, é nesse estilo que eu sinto, com tristeza imensa, o nada desses peitos que parecem rejeitar o mal enxertado coração de Jesus. Não digo essas coisas para me divertir `a custa deles, e Deus sabe que não minto. O que esse estilo me diz é que eles perderam suas almas. Não! Não pretendo aqui antecipar o juízo de Deus. Digo que perderam a alma não por condenação eterna, mas por terem-na deixado perdida em algum banco de jardim. Pobres títeres, movidos pela máquina da atualidade, pobres tolos presididos pelos mais tolos. Deus sabe que não minto se torno a dizer que não há mais piedade do que escárnio em todas essas desoladas reflexões que tanto quisera não dever fazer. E quando digo “pobres” aqui mais me refiro à dor que me causa a soberba desses inventores de religiões novas, do que à simpatia pela pobreza religiosa, pobreza de voto, que é opulência no Céu.

Nesse Saara espiritual encontro uma senhora abadessa montada também no camelo de sua presunção a caminhar de aridez em aridez à procura de coisa nenhuma. Deus Meu! ainda pelo estilo, relevem-me a insistência profissional, e o culto que tenho pela palavra exata, bem escolhida, ainda por esse mau gosto, ou por essa ausência total de qualquer gosto que sinto nessa raça de gente um assombroso vazio. Dir-se-ia que eles se esqueceram de como é que nós cá fora rimos e choramos. Escrevem no recto tono dos cartórios. E ousam falar como “libertadores” e como construtores de um mundo melhor. Leiam o cap. XX do Apocalipse.

A senhora abadessa, no seu opúsculo, habla de comunidade, ousa hablabar de vida em comum e eu tremo só de imaginar, num requinte de fantasia, na remota possibilidade de um dia me ser imposta a sua companhia, em comunidade, neste vale de lágrimas. E corre-me a espinha um calafrio quando penso que existem freiras, monjas reais de carne e osso, e alma! que vivem dia e noite sob a presidência daquela senhora abadessa numa Comunidade blablablada naquele

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