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O Começo do Fim

Por Gustavo Corção, publicano n’O Globo em 11-1-75


O ARTIGO DE QUINTA-FEIRA demonstra que naquele tempo vivíamos “no engano da alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito”. Quando o Papa João XXIII anunciou sua idéia de convocar um concílio ecumênico, escrevi um artigo entusiástico intitulado “Flor da inesperada primavera”. Este artigo, relido hoje, prova a boa vontade confiante com que recebemos tudo que vinha de Roma, do Papa, mas também prova que vivíamos no mundo da Lua em relação a tudo o que já acontecera e ainda acontecia na Europa, em torno do Vaticano. Se naquele tempo tivéssemos lido o livro de Jacques Marteau, L’Elise de France devant la Révolution M a r x i s t e, abundantemente citado em O Século do Nada, saberíamos desde 1958 que as esquerdas já haviam assaltado o mundo católico e já dominavam a situação. Com este e mais todos os livros e revistas que li com atraso, eu teria, naquele tempo, soltado um grito de alarme diante da idéia de reunir, aglomerar, condensar, comprimir a matéria explosiva, isto é, os 3000 bispos já envenenados; já teleguiados em sua maioria. Não imagino — tranquilize-se, leitor! — que meu grito detivesse a onda avolumada e modificasse o curso da história. A onda já tinha dimensões pavorosas, a “tenebreuse affaire” da Action Française já quebrara a resistência católica da França, e já desviara muitos “católicos para os lados de “chez Mounier”. Em 1932 fundara-se a revista Esprit, que tomo como marco da capitulação católica. A batalha da França já estava perdida. Mas naquele tempo, como já contei em O Século do Nada, estávamos na ativa em nossa vida profissional, e reservávamos todos os minutos livres para a leitura da sabedoria perene a que chegávamos com tamanho atraso, já no meio da vida. Das coisas da França só conhecíamos os livros de Raíssa e Jacques Maritain, liricamente filtrados, que mais nos eclipsaram do que nos mostraram a brutalidade sinistra das coisas contingentes que começavam uma obra muito mais destruidora do que a guerra. Durante a guerra já os patetas de língua inglesa, contrariando o genial Hilaire Belloc, mais defendiam a “democracia” do que a “civilização”. Enfim, tudo conspirou a favor da Revolução. E foi com esse espírito que os bispos se congregaram, chamados pelo Papa João XXIII ainda mais ingênuo e despreparado do que nós, porque prejudicado pela espécie de bondade oposta àquela que Marcel Proust descreveu: “le visage antipathique et sublime de la vraie bonté”.

COMEÇAMOS A DESCONFIAR quando chegaram as primeiras notícias da reforma litúrgica. Um dia, ainda em 1963 ou antes, tive de repente, num clarão, a evidência da calamidade. Num acesso de desespero corri ao telefone e desabafei aos gritos com um amigo: — Eles estão loucos! Eles estão loucos!

INQUIETO, O AMIGO CORREU a acudir-me, e encontrou-me na varandinha da entrada a chorar, a soluçar alto como criança machucada, ou como namorado traído.

NA PARÓQUIA COMEÇARAM a chegar os primeiros efeitos, com estridência cômica. O altar-mor em construção transformou-se numa espécie de consolo monumentalmente inútil e diante dele colocaram uma mesa. Quando o padre moço, no domingo, entrou e se viu diante de um auditório, perdeu a pouca cabeça que tinha. Na hora do sermão pôs-se a gritar: Reformas! Reformas! Com pulos e gestos de polichinelo. E ameaçava:

— E ainda virão mais reformas! Mais reformas!

ESCREVI-LHE UMA CARTA para dizer-lhe que devia anunciar as tais reformas já feitas em termos que tranqüilizassem os fiéis quanto à permanência do essencial, e não inquietá-los com a ameaça de novas reformas. Certamente, ao ler tal carta, o padre riu-se de mim; hoje, lembrando-me dela, rio-me eu também de minha ingenuidade.

NESSE TEMPO, à saída da Igreja, nosso grupo de amigos se reunia para desabafar e vomitar as besteiras do padre. O pobre Alfredo Lage tinha convulsões que já então terminavam em acessos de tosse. O bom Vigário, o saudoso padre Germano, não conseguia deter o galope dos moços, nem conseguia entender o que acontecia em Roma. Foi então que chegaram, de onde? novas instruções para os “novos padres”: em vez de pular e gesticular, exaltar os “jóóvens” e malhar os pais. Foi uma delirante e divertida investida contra o IV Mandamento de Deus.

MAIS TARDE UM ARCEBISPO que recentemente representou o Brasil (!!!) num Sínodo, depois de passar anos difamando o Brasil para ganhar passagens de avião, escreve isto: “precisamos abrir aos jovens crédito de ilimitada confiança”. Um livro “católico” em Belo Horizonte, dirigido aos jóóvens, escreve isto: “não dê ouvidos ao que lhe dizem em casa, a fonte é suspeita.”

POR ENQUANTO, nas paróquias os “novos padres” reúnem jóóvens, pervertem jóóvens, estupidificam jóóvens. O programa é: a morte do pai.

TEMPO “JOVEM” que no meu Aulete é adjetivo se torna regularmente substantivo, mas depois se volta a adjetivar com uma cômica impropriedade nas expressões “missa jovem” e outras. Além desse fenômeno gramatical, registro um fato fonético: o “ó” aberto demais com que os novos padres designavam os “jóóvens”. Considerando-me incompetente, deixo aos especialistas a explicação de ambos. O que sei claramente é que esses novos padres nessa exaltação dos jovens seguiam servilmente e imbecilmente a Revolução anarquista que quer a decapitação do Rei, o assassinato do pai e a morte de Deus. Na continuação, o abalo do santo princípio da autoridade tomou formas mais sinistras, como veremos no próximo artigo, se Deus quiser.

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