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Os dois comunismos



Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 18-8-1973


CUMPRINDO a promessa de 5ª feira, começo por transcrever o tópico 1.2.1., Comunismo, da Carta Pastoral de Dom Fernando Gomes, Arcebispo Metropolitano de Goiânia:


"1.2.1. — Comunismo: antes da Revolução, entendia-se por comunismo um dos sistemas totalitários mais radicais. A Igreja, sobretudo em encíclicas de Pio XI, o condenou como "intrinsecamente mau" enquanto contrário a pontos (sic) da Revelação e a prerrogativas fundamentais da pessoa humana. Sob o aspecto social que, na prática, motiva a ação comunista, manifesta-se contrário à moral objetiva. Isto quer dizer que para o comunismo é bom ou mau, certo ou errado, o que concorda ou não com os objetivos do Partido Único".


NÃO se poderá, evidentemente, apresentar este tópico como um modelo de exposição doutrinal ou página de antologia, mas o pior está na continuação:


"A REVOLUÇÃO de 64 sempre admitiu (sic) que o comunismo deve ser combatido. Entretanto depois que implantou, praticamente, o Partido Único, transformou-se em sistema político e assumiu de maneira surpreendente os métodos e a moral comunista. Para o regime é bom ou mau, certo e errado o que concorda ou discorda de sua filosofia, de seus interesses. Surge, deste modo, um novo tipo de comunismo prático, em que o Estado, as Instituições, as pessoas e a própria Religião têm valor relativo, na medida em que servem ao Regime. Comunismo arrogante, mas disfarçado, com a agravante de não usar este nome e transferi-lo a quem não quiser acomodar-se subservientemente ao sistema”.


E AGORA nós. Começo por relembrar a Dom Fernando que Pio XI condenou comunismo na encíclica Divini Redemptoris, com a expressão "intrinsecamente perverso" quando, em 1937, o mundo inteiro recebia notícias espantosas das perseguições religiosas que martirizavam a Espanha desde 1931. Comunismo, Excelência, não é só o regime de partido único, é AQUILO que de 1926 em diante causou no pobre povo russo a maior hecatombe da História em nome de uma ideia de socialização e Reforma Agrária que Lenine trazia à nuca; é AQUILO que torturou o México, que martirizou a Espanha, que derrotou a França em 1936, e depois em 1940. Comunismo é AQUILO que tinha à mostra no muro de Berlim, o assassinato de 12000 oficiais poloneses em Katim. É o desmoronamento de toda uma civilização. É o que hoje destrói o Chile como ontem destruiu Cuba, e só não destruiu o Brasil porque houve homens, em 1964, que se levantaram como na Espanha se levantaram José Antônio Primo de Rivera e Franco.


CHEGA-NOS agora de Goiás esta ideia enunciada por um arcebispo: o Governo do Presidente Médici, e dos ilustres ministros que consertaram o Brasil, que o pacificaram, que o impuseram a admiração do mundo, é um governo Comunista. E, pior do que o outro comunismo, que tem a declarada preferência de Dom Fernando, que nunca, em 63 e 64, teve uma palavra de reprovação para o desgoverno da época.


APRONTAVA-ME eu para perguntar a Dom Fernando Gomes quais foram as igrejas incendiadas pelo Ministro Delfim Netto e seus diligentes assessores, qual o convento carmelita arrombado pelos funcionários do Ministro Jarbas Passarinho, qual o montante de sacerdotes assassinados que logrou acumular o Ministério do Trabalho, qual o total de mosteiros e igrejas incendiados nos governos Castelo Branco, Costa e Silva e agora neste que o mundo inteiro, com exceção da arquidiocese de Goiânia, admira e respeita; aprontava-me eu para alongar esse arrazoado quando me deteve a ideia de que este comunismo do Presidente Médici é ainda pior do que o outro, por ser disfarçado.


VOLTO atrás e corrijo a frase inicial do tópico citado "A revolução de 1964 sempre admitiu que o comunismo deve ser combatido".


NÃO! Mil vezes não, senhor Arcebispo. Os homens de 64 não admitiram que o comunismo deva ser combatido. Esses homens, e eu como eles, sempre proclamamos que o comunismo deve ser combatido -- e é isto que dá ao Brasil de hoje um título de nobreza que pouquíssimas nações possuem.


NÓS achamos que os sequestradores de aviões e de reféns devem ser eliminados, e proclamamos que são criminosos os que encorajam e aplaudem os ditos sequestradores, citando linhas da Gaudium et Spes.


SERÁ preciso lembrar a Dom Fernando que em país comunista, realmente comunista, não são presos apenas os que discordam e querem derrubar o regime. São presos os avós que ousam desejar visitar os netos no outro lado da rua. Os operários não podem mudar de emprego, mudar de casa, mudar de cidade, por vontade livre. Tudo é carimbado. Será possível que um Arcebispo brasileiro ignore estas coisas; e se as não ignora será admissível que as deseje e que possa acusar de tais crimes os homens do atual governo brasileiro?


NA VERDADE, na verdade, há no comunismo um mistério de degradação, uma nostalgia de lama que vem não sei de onde, atrai não sei como e seduz não sei porque. Apego-me à explicação de Machado de Assis: nostalgia da lama. E não vejo outra explicação para o rancor que toda a Carta Pastoral de Dom Fernando ressuma contra os governos que, no Brasil, trabalharam e trabalham pela prosperidade de todos e destroem todos os pretextos com que o comunismo ainda fascina os espíritos fracos.


LEMBRO duas coisas a Dom Fernando: há na Igreja um decreto de Pio XII, reforçado por João XXIII, que proíbe a colaboração com o comunismo; e que até hoje não foi revogado; e há no Brasil leis que autorizam a cassação de títulos de cidadania de qualquer pessoa que agredir o governo e que anunciar um programa de "conscientização" como fez o Exmo. Sr. Arcebispo Metropolitano de Goiânia, que nesse ato consegue desobedecer gravemente as hierarquias de sua Igreja e de sua Pátria.

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